VILLA,S.B.; CAMPOS, C.R.;BRAGA, T.H.C. Avaliação pós-ocuopação na disciplina de Projeto de Habitação Social: uma discussão a cerca da qualidade espacial e das necessidades dos moradores. O caso do conjunto Campo Alegre [Uberlândia]. XXIX Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Porto Alegre, 2010.
Simone Barbosa Villa1
Camila Ribeiro Campos2
Thiago Henrique Castro Braga3
Uma discussão a cerca da qualidade espacial e das necessidades dos moradores. O caso do conjunto Campo Alegre [Uberlândia]
O presente artigo discute a relevância da avaliação pós-ocupação (APO) como elemento norteador do processo projetual de empreendimentos de baixo custo e sua inserção em disciplinas de projeto, ou atelier, na graduação de arquitetura e urbanismo. Discute ainda a qualidade espacial de habitações de interesse social comumente ofertada pelo Estado e pelo mercado imobiliário na cidade de Uberlândia e sua inadequação em relação ao atendimento às necessidades mínimas dos moradores usuários. Esta pesquisa foi desenvolvida na disciplina da graduação4 Atelier de Projeto de Habitação Social com o objetivo de fomentar a crítica sobre a produção atual de HIS, aproximar o aluno da realidade estudada e inserir na graduação a problemática e a relevância da APO como norteadora do processo de projeto.
O objeto de estudo da avaliação pós-ocupação foi o Conjunto Habitacional Campo Alegre, localizado na periferia da cidade de Uberlândia (setor sul), entregue no ano de 2007. Trata-se de mais um dos exemplos brasileiros de habitação estandardizada com baixa qualidade espacial, de implantação e de padrões construtivos. Com o objetivo de identificar as reais necessidades dos moradores, comportamentos no espaço habitável, apropriações e usos, a APO foi centrada nos aspectos funcionais e comportamentais dos usuários nos diferentes níveis: (i) espaços externos (implantação do conjunto), (ii) análise do lote e (iii) espaços privados da casa (unidade).
Os resultados indicam a inadequação dos modelos espaciais propostos. Fatores como a diminuição no número de membros, a conseqüente alteração de papéis com a redistribuição da autoridade ou mesmo a falta de consenso sobre quem realmente é o chefe do grupo familiar, o aumento no número de mães trabalhando fora, a independência cada vez mais acentuada de seus membros, e de que forma tais fatores influem no espaço doméstico foram constatações da pesquisa. Além da análise dos resultados da pesquisa indicarem uma completa inadequação dos modelos propostos aos modos de vida e reais necessidades dos moradores usuários, indica-se a relevância da APO no processo de projeto de empreendimento habitacionais de baixos custos como elemento central da busca por moradias de qualidade.
1. Introdução
Um dos principais objetivos, quando se constrói moradias econômicas, é o baixo custo de produção. Isso reflete primeiramente na metragem quadrada das casas que são mínimas. O espaço mínimo é limitado, não pela sua dimensão, mas pela maneira que é trabalhado. Um espaço pequeno necessita de uma abordagem diferente da qual é utilizada em um espaço de dimensões generosas e mesmo assim a tripartição espacial oitocentista ainda é a configuração mais utilizada. Construir habitações econômicas deveria englobar preocupações urbanísticas. É necessário pensar a habitação como um todo, como um espaço vivencial, como parte integrante da vida do homem, como sendo capaz de influenciar a vida deste de forma positiva ou não (COELHO, 2009). Porém, é necessário lembrar que esta moradia representa a necessidade básica do homem, que é estar em um dado lugar. Coelho (2009) afirma que esta é o espaço central da existência humana, da qual o homem faz parte e à qual ele retorna. Analisar as ações de habitar, como e quando elas ocorrem é essencial para se entender a dinâmica dos espaços, como estes são utilizados, para quais atividades e por quanto tempo. Desta forma o arquiteto pode tomar consciência dos espaços pouco utilizados na parte do dia ou da noite e então propor ambientes que se transformem, se adaptem e se modifiquem de acordo com a necessidade do usuário.
Também se faz necessário que a moradia esteja integrada ao tecido urbano. Coelho (2009) faz uma diferenciação entre moradia e vivenda: “moradia é onde se mora (...) vivenda é onde se vive”. Mais que simples casas, é preciso uma habitação onde o homem possa habitar, se apropriar, e viver. Manuel Vicente afirma que do neutro ninguém se apropria, as pessoas se apropriam apenas daquilo que amam. Sabe-se que entre o desenho de uma habitação (projeto) e a satisfação de quem vive ali existe um hiato. Para minimizar esse hiato e proporcionar melhores ferramentas projetuais, faz-se necessária a Avaliação de Pós-Ocupação (APO). De posse dos resultados de uma APO é possível minimizar a quantidade de habitações nas quais até mesmo o morar é uma tarefa difícil.
No Brasil, a partir dos anos 1950, os projetos de conjuntos habitacionais, que antes procuravam conjugar qualidade urbanística e arquitetônica, ótimo aproveitamento dos terrenos e baixo custo de construção, perdem força criativa e essas referências, segundo Bonduki, parecem ser descartadas. A incorporação parcial dos princípios da arquitetura moderna gerou o empobrecimento dos projetos habitacionais ainda ao final dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), chegando ao seu clímax na massiva produção implementada pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) a partir de 1964. Nesse período, manifestou-se a busca cega e inútil pela redução dos custos, desconsiderando outras perspectivas propostas pela arquitetura moderna. Assim, introduziu-se no repertório da habitação social nacional um racionalismo forma sem conteúdo, representado por projetos sem qualidade, monótonos, repetitivos, sem ligação com o contexto urbano e com o meio físico desarticulados de um projeto social (BONDUKI, 2004).
Segundo o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (IPEA, 2010)5, o déficit habitacional brasileiro é de cerca de 5,8 milhões de moradias. Com relação à tipologia das habitações de interesse social, percebe-se que pouco se evoluiu desde os modelos difundidos pelo BNH: as tipologias atuais repetem a mesma forma daquelas. Ainda são reproduzidos os modelos antigos da casa isolada no lote, estandardizada, com baixa qualidade espacial, implantadas em áreas afastadas e sem urbanização que, segundo Rubano (2008), não passam de hipóteses falidas. Ainda de acordo com essa autora, a produção de alternativas de habitação com qualidade arquitetônica não acompanhou a crescente demanda por habitações. Segundo Augusto (2000), os “bairros sociais” são homogêneos internamente, tanto do ponto de vista arquitetônico como socio-econômico, e iguais entre si, o que se contrapõe à heterogeneidade do tecido urbano.
Ao analisar as plantas de habitação popular no sistema COHAB (Companhia de Habitação), percebe-se uma repetição de tipologias como um carimbo, desconsiderando o local onde estão inseridas as habitações. A crítica não é feita apenas ao tamanho dessas habitações, porque é possível habitar com qualidade em espaços mínimos, mas à inadequada disponibilidade de áreas livres, à capacidade de mobiliar, a pouca diversidade de usos dos espaços criados, a não previsão de estocagem (RUBANO, 2008).
A redução de custos de produção das habitações de interesse social se alicerça sobre três aspectos, segundo os quais discorre Palermo (2009). O primeiro aspecto é a padronização excessiva das unidades que ignora as características físicas das regiões de implantação além de desconsiderar o perfil sócio-cultural das famílias atendidas. O Brasil é um país de grandes contrastes físicos, econômicos e culturais, porém percebe-se que um único modelo de moradia é reproduzido em todo país (Figura 1). A casa é onde a família expressa sua identidade, cultura, crenças e anseios e define a partir daí o seu papel na sociedade. É inútil pensar que uma só tipologia de habitação oferecerá soluções universais e adequadas a qualquer tipo de pessoa e ambiente. O segundo aspecto, segundo Palermo (2009), é a redução da qualidade dos materiais utilizados que possuem baixo desempenho, ou mesmo desempenho desconhecido. Isso compromete algumas questões básicas indispensáveis e inseparáveis a qualquer moradia, o que resulta em problemas de infiltração, vedação, manutenção e durabilidade. A moradia econômica não exige o emprego de materiais sofisticados e de design arrojado, mas é indispensável o emprego de materiais com a qualidade mínima necessária para garantir o funcionamento correto e duradouro dos equipamentos da habitação. Palermo (2009) trata como terceiro aspecto dessa redução de custos a diminuição do tamanho das edificações. A favor da economia, os projetos desconsideram o tipo, as dimensões e o espaço necessário à aproximação e operação dos equipamentos e peças do mobiliário. Joan Villà (2010) afirma que a arquitetura não transparece como questão básica na produção de conjuntos habitacionais. Considerando que a falta de espaço é um dos motivos de maior queixa dos usuários, torna-se necessário considerar alternativas de projeto e produção que resultem em habitações de baixo custo com maior conforto espacial (GUERRA; KERN; GONZÁLEZ, 2009).
(A) (B) (C) (D)
Figura 1 – A padronização de modelos de HIS – (a) Planta COHAB Santa Catarina (42,34 m²), (b) COHAB São Paulo (38m²), (c) COHAB Caixa Econômica Federal (36,84m²), (d) COHAB Minas Gerais (37,80m²). Fontes: COHAB SC <http://www.cohab.sc.gov.br>; COHAB SP < http://www.prefeitura.sp.gov.br>; COHAB Caixa Econômica Federal <http://www.cacambas.com/projetos-de-casas-populares-da-caixa/>; COHAB MG < http://www.cohab.mg.gov.br>.
Segundo Coelho (2009), a imagem urbana que caracteriza a unidade habitacional deve se caracterizar pela total integração, dignidade, alguma representatividade e sentido residencial/doméstico. No entanto, o que se observa ainda são projetos localizados nas periferias das cidades, a margem da sociedade e de seus serviços. Essa situação, segundo Rolnik e Nakano (2009), prejudica a todos uma vez que há um custo para levar redes de infra-estrutura a áreas cada vez mais distantes, além da segregação sócio-espacial aprofundada pelo distanciamento entre os locais de trabalho, os equipamentos urbanos e as áreas de moradia. Augusto (2000) afirma que as HIS não têm contribuído para uma lógica nem de integração nem de inserção urbana dos grupos mais desfavorecidos, uma vez que são implantados de forma descontínua em relação ao crescimento urbano. Para ele, esse distanciamento além de físico, é igualmente simbólico, exprimindo-se na estandardização dos modelos arquitetônicos.
2. Objetivos
Os objetivos deste artigo são: (i) demonstrar, através do estudo de caso na cidade de Uberlândia (MG), a relevância da APO como norteadora do processo de projeto de arquitetura e elemento fundamental para a obtenção da qualidade habitacional; (ii) aproximar o aluno da realidade estudada e inserir na graduação de Arquitetura e Urbanismo a problemática e a relevância da APO nas disciplinas de Projeto de Arquitetura, ou Atelier, e (iii) fomentar a crítica sobre a produção atual de HIS no Brasil, notadamente em relação à qualidade funcional dos espaços ofertados, tanto das unidades (edifício) quanto dos conjuntos (bairro).
3. Maior conexão entre a prática projetual e a pesquisa de APO
Importantes trabalhos sobre APO em habitações de interesse social têm sido desenvolvidos desde os anos de 1980 no Brasil por centros de pesquisa, institutos e universidades. Variados enfoques foram abordados, desde avaliações funcionais, formais, comportamentais, técnicas, ambientais, econômicas, entre outras em diferentes escalas e ambientes (ABIKO e ONSTEIN, 2002; KOWALTOWSKI, 2004; REIS e LAY, 2003; SZÜCS, 1999; IMAI, 2007; CABRITA e COELHO, 1997). Entretanto, nos interessa nesta pesquisa discutir a relevância da avaliação pós-ocupação como elemento norteador do processo projetual de empreendimentos de baixo custo e sua inserção em disciplinas de projeto, ou atelier, na graduação de arquitetura e urbanismo. Esta pesquisa foi desenvolvida na disciplina da graduação6 Atelier de Projeto de Habitação Social com o objetivo de fomentar a crítica sobre a produção atual de HIS, aproximar o aluno da realidade estudada e inserir na graduação a problemática e a relevância da APO como norteadora do processo de projeto.
Metodologicamente a disciplina foi estruturada em: (i) conceituação da qualidade habitacional em HIS; (ii) análises projetuais de edifícios construídos e já consagrados de HIS (nacionais e internacionais) com identificação de procedimentos projetuais de qualidade; (iii) aproximação da realidade – pesquisa da produção atual do município de Uberlândia; (iv) avaliação dos problemas - aplicação de APO e análise dos resultados do estudo de caso Campo Alegre; (v) desenvolvimento de proposta projetual de HIS a partir dos conceitos identificados anteriormente. Baseou-se no conceito de que a análise dos espaços habitacionais já ocupados produz informação sobre os efeitos das áreas dos espaços constituintes das unidades habitacionais, possibilitando uma formulação de parâmetros sustentados empiricamente, que servirão de orientação mínima para o adequado dimensionamento das unidades de HIS (REIS; LAY, 2002). Além disso, a pesquisa de APO possibilitou uma aproximação dos graduandos à realidade da habitação social na cidade, tendo como ponto de partida a percepção dos moradores do bairro. De posse dos resultados da APO foi possível identificar os erros e acertos do projeto avaliado, identificando padrões projetuais e principalmente as necessidades dos moradores. Contribuiu, de forma decisiva, no processo projetual dos alunos envolvidos, na busca de soluções para espaços mínimos sem comprometer a qualidade habitacional dessas unidades e o conforto de seus ocupantes.
4. O estudo de caso - metodologia
A definição do estudo de caso partiu de uma pesquisa realizada pelos alunos sobre a produção de HIS na cidade de Uberlândia, identificando conjuntos entregues aos moradores entre os anos de 2006 a 2007, com um número máximo de 400 unidades, situados na periferia da cidade e apresentando modelos de implantação e da unidade identificados aos padrões frequentemente ofertados na grande maioria das cidades brasileiras. Atendendo aos critérios estabelecidos anteriormente o Residencial Campo Alegre foi escolhido para o desenvolvimento da análise pós-ocupacional. Para a definição da metodologia baseou-se nos seguintes aspectos: (i) APO de curta duração; (ii) abordagem funcional e comportamental dos espaços da unidade e do bairro; (iii) aplicação de uma única técnica – questionário estruturado; (iv) linguagem simples e clara utilizando escala de valores (ótimo, bom, regular, péssimo). A partir das definições o questionário foi estruturado em: (i) informações relativas ao entrevistado, sua família; (ii) aferição do nível de satisfação de aspectos gerais da unidade; (iii) aferição do tempo de permanência nos cômodos, (iv) aferição das atividades realizadas nos cômodos; (v) avaliação de questões como privacidade, individualidade e apropriação; (vi) aferições mais detalhadas do uso do banheiro e da cozinha, (viii) aferição das ações de lazer, relaxamento e trabalho na unidade e (ix) questões relativas ao bairro.
A avaliação com os moradores do Residencial Campo Alegre, realizada entre os dias 1 e 9/10/2009, contou com 90 questionários respondidos (30% do total de unidades do conjunto). Os responsáveis pela entrevista foram os alunos da disciplina de Atelier de Projeto de Habitação Social que, além de colherem as entrevistas, também fizeram imagens das residências. A aproximação à realidade estudada pode permitir aos alunos a extrapolação dos limites do questionário. Em decorrência desta aproximação e vivência, inúmeros registros (desenhos, fotos, textos) foram feitos sobre os espaços, seus usos e apropriações.
O Conjunto Campo Alegre
O bairro está situado na zona sul de Uberlândia (MG). A cidade tem cerca de 634.345 habitantes, com uma desidade demográfica de 151 habitantes/km² e PIB per capita de R$20.520,00 (IBGE, 2009)7. O bairro foi entregue pela Prefeitura em 2007 e conta, atualmente, com 302 casas no sistema de habitação social. O Campo Alegre está distante de 14 quilômetros do centro da cidade e não há dados oficiais a respeito de quanto habitantes o bairro possui (Figura 2). As casas do Residencial Campo Alegre têm 45,22 m², sendo divididas em dois quartos, sala e cozinha integradas, um banheiro e área de serviço externa (Figura 3).
Figura 2 - Mapa de localização da área de estudo – Fonte: Modificado a partir da base cartográfica fornecida pela Prefeitura Municipal de Uberlândia (2010); organizado por C. R. Campos abr/2010.
5. Análise de resultados
Os principais resultados averiguados na pesquisa estão apresentados no Gráfico 1. Os entrevistados, em sua maioria tinham entre 26 e 45 anos, eram mulheres e donas de casa. Ainda que a composição das famílias esteja mudando e que seja cada vez mais comum a coabitação, a pesquisa mostrou que 95% dos entrevistados fazem parte de famílias nucleares, cuja renda mensal familiar entre R$241,00 e R$720,00, ou seja, abaixo de dois salários mínimos.
Figura 3 – Planta baixa das casas do Residencial Campo Alegre. Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia (2009).
Quando questionados a respeito de suas casas, cerca de 63% dos entrevistados não se mostraram satifeitos com o tamanho das casas. O espaço mínimo é limitado, não pela sua dimensão, mas pela maneira como é compartimentado e setorizado. Considerando que as casas pesquisadas possuem dois quartos e, considerando uma média de dois leitos por quarto, tem-se que a áera/habitante é de 11,30 m², valor situado abaixo do nível crítico, que seria entre 12 e 14 m² /morador (REIS e LAY, 2002). Ainda para esses autores, um nível ideal seria de 13 m²/morador. Um espaço pequeno necessita de uma abordagem diferente da qual é utilizada em um espaço de dimensões generosas. As dificuldades quanto às dimensões do imóvel são sentidas pelos moradores no momento de mobiliar este: 54% dos entrevistados consideraram como péssima a capacidade de mobiliar suas casas. Neste ponto, observou-se a ausência de espaços destinados a estocagem, sendo esta feita de forma improvisada, sob e sobre os móveis (Figura 4).
Gráfico 1 – Satisfação dos moradores do Campo Alegre com alguns aspectos das habitações
Fonte: Gráfico elaborado por C. R. Campos abr/2010.
(A) (B)
Figura 4 – Estocagens improvisadas (a) cozinha (b) corredor. Fonte: Fotos de C. R. Campos, 2009.
Quando questionados a respeito da área de serviço da casa, 91% dos entrevistados se mostraram descontentes com esta. Nos projetos de HIS, a área de serviço não é vista como essencial à moradia (SZÜCS, 2009). A forma como ela é tratada neste projeto (pequena e externa à residência) inviabiliza as atividades correspondentes, uma vez que não suporta a instalação de equipamentos, a estocagem de produtos e a instalação de um estendal. Observou-se que as atividades não realizadas nesta área são redistribuídas aos demais cômodos da casa (Figura 5).
(A) (B)
Figura 5 – Imagens das casas (a) acabamento e espaço interno do banheiro (b) localização e dimensão da área de serviço.
Fonte: Fotos de C. R. Campos, 2009.
A sala e a cozinha, no projeto das residências do Campo Alegre, são integradas, porém mais de 70% dos entrevistados vêem essa integração como sendo negativa. A forma como a integração ocorre prejudica a utilização de ambos os espaços. Esses ambientes também são os locais onde os moradores passam a maior parte do tempo, mais de 5 horas/dia, e onde realizam as atividades de conviver, cuidar da mente, armazenar, lidar com a roupa. Considerando os usos da sala, 59% dos entrevistados consideram péssimas as suas dimensões, declarando dificuldade de distribuir sofás e móveis nesta. Além disso, 77% dos entrevistados consideraram que a ligação da sala com o exterior da casa limita a privacidade dos moradores. A forma como a cozinha é disposta não facilita a organização racional dos equipamentos e isso reflete na insatisfação de cerca de 85% dos entrevistados quanto a esse espaço. A cozinha é, em grande parte do Brasil, o principal ambiente de vivência familiar (SZÜCS, 2009). A inadequação desse espaço leva à necessidade de transformá-lo para atender aos anseios dos moradores. A não previsão de estocagem é outro problema observado nesse espaço (Figura 6).
(A) (B)
Figura 6 – Sala (a) e cozinha (b) conjugadas e situações de estocagem e distribuição de móveis e equipamentos.
Fonte: Fotos de C. R. Campos, 2009.
Observou-se que cerca de 70% dos entrevistados mostram-se insatisfeitos com a dimensão dos quartos, principalmente com a dificuldade de distribuir estocagem e camas nestes. Porém observou-se que durante o dia esses espaços não são utilizados pelos moradores, que declararam ficar até 3horas/dia nestes, realizando ali principalmente as atividades de cuidado com o corpo, além de dormir (Figura 7).
(A) (B)
Figura 7 – Situações de estocagem e distribuição de móveis nos quartos. Fonte: Fotos de C. R. Campos, 2009.
Os banheiros receberam o maior número de críticas dos moradores, que em sua maioria não se motraram satisfeitos com a dimensão destes, com a forma como os equipamentos são distribuídos e com o acabamento dado ao espaço. O banheiro dessas casas não prevê a estocagem de materiais. O acabamento em cimento queimado no piso e paredes escurece o ambiente. A proximidade dos equipamentos e, principalmente, a inexistência de uma separação da área do banho, tornam esse espaço inviável. Constatou-se que os moradores passam pouco tempo nesse local, porém consideram importante o tempo que ali dispensam (Figura 5). Em um trabalho de 2009, Szücs propõe metragens mínimas para habitações de interesse social, considerando a adequada disposição dos móveis e equipamentos além do conforto dos habitantes. Comparou-se os dados encontrados por essa autora com os observados nas casas do Campo Alegre (Tabela 1).
Tabela 1 – Comparação entre as áreas mínimas propostas por Szücs e as áreas dos cômodos das casas do Campo Alegre
Fonte: Gráfico elaborado por C. R. Campos, 2010.
Nesse loteamento, as casas foram entregues para os moradores sem separação entre os lotes, em duas cores básicas. Percebe-se que os moradores têm necessidade de diferenciar suas casas e tão logo têm condições financeiras, eles constroem muros, cercas, mudam a cor das casas, adequando estas às suas necessidades. Na HIS os custos tendem a ser minimizados pelas dimensões reduzidas e pelo material utilizado. Os entrevistados, em sua maioria, consideraram como péssimo o acabamento dado a suas casas. O piso de toda a casa é entregue com uma camada de cimento queimado, incluindo as áreas molhadas que não recebem revestimento hidráulico. O acabamento das paredes é grosseiro. As casas não possuem forração e erros no assentamento do telhado provocam a entrada de água e poeira por estes. Quanto à iluminação, ventilação e temperatura dentro das casas, os entrevistados se mostraram satisfeitos. Cerca de 50% dos entrevistados afirmaram que o isolamento acústico das casas não é satisfatório bem como a privacidade destas. Isso é ocasionado principalmente pela forma como são implantadas no loteamento (Figura 8).
(A) (B)
Figura 8 – Implantação das habitações e soluções para conseguir privacidade: (a) vista da rua com muros (b) proximidade das casas e a falta de privacidade dos moradores. Fonte: Fotos de C. R. Campos, 2009.
De acordo com a Tabela 4, para os entrevistados, as suas habitações são o lugar onde passam a maior parte do tempo e onde estão as pessoas que lhes interessam. Dessas respostas percebe-se que existe neles um sentimento de apropriação daquele espaço.
Porém, quando questionados a respeito do tempo de duração daquele imóvel, 73% dos entrevistados pensam que durará menos de 30 anos, o que coincide com o prazo de financiamento desses imóveis (Tabela 3). Em relação à forma do bairro, os lotes são distribuídos em quadras estreitas, porém longas, rebatidas paralelamente. Essa forma de implantação e a repetição tipológica das habitações criam uma monotonia visual, além da sensação de aridez do ambiente devido à falta de áreas verdes. Essa forma de implantação é comumente utilizada em loteamentos de interesse social não apenas na cidade de Uberlândia. Quanto à implantação do loteamento, verifica-se uma distância radial de 14 km até o centro da cidade. Não há equipamentos de lazer no bairro, nem áreas verdes. O lazer das famílias é realizado em casa, ou nas ruas do próprio bairro, uma vez que não há equipamentos urbanos para lazer no Campo Alegre. E o lazer, é realizado, em sua maioria nas ruas do bairro ou em casa, principalmente na sala (Tabela 4). Os moradores se queixaram da distância do bairro aos equipamentos de lazer, saúde e educação, ficando o acesso a estes limitado ao uso de veículos.
Considerações finais
A partir da idéia de que as avaliações de pós-ocupação permitem conhecer as necessidades dos moradores e os problemas dos projetos de forma a desenvolver políticas de gestão de cidades mais adequadas com maior controle sob a produção de HIS, percebe-se que a minimização dos espaços nas HIS refletiu diretamente no conforto e na funcionalidade destas. Os problemas espaciais mais freqüentes são aspectos da arquitetura que deveriam, por teoria, ser minimamente oferecidos. O projeto não prevê estocagens, as áreas sociais não atendem às necessidades básicas dos moradores, a área íntima é utilizada apenas no período noturno, ficando ociosa no restante do dia, entre outros. Ao contrário de que se esperava, a tripartição do espaço vem sendo utilizada de forma sistemática e arbritária na grande maioria dos projetos de HIS oferecidos no Brasil. Edificações mínimas requerem
uma abordagem diferente daquela utilizada em espaços maiores. É importante que os projetos atuais, apreciando as necessidades dos moradores, considerem novos formatos, novas organizações espaciais, apoiados na utilização de materiais e técnicas construtivas para a concretização de ambientes mais qualificados de HIS. A localização do loteamento também é fator de exclusão social uma vez que, a utilização de áreas da periferia ao invés de vazios urbanos mais centrais, distancia os moradores destes locais dos serviços da cidade. O acesso a cultura fica limitado a ações pontuais no bairro ou ao uso de veículos para chegar até ao centro da cidade.
A APO realizada no Campo Alegre é base para futuras propostas de HIS, propostas estas com melhor qualidade e que atendam um leque maior de necessidades humanas. Pode-se notar que o pojeto, tal como é implantado atualmente, é ineficiente do ponto de vista dimensional e não prevê ampliações por parte dos moradores. A utilização desses resultados deve possibilitar a diminuição das transformações realizadas nas HIS sem assessoria técnica, que prejudicam ainda mais a habitabilidade destas. Esta pesquisa pode apresentar, além das informações indicadas anteriormente, a relevância da APO como elemento norteador do processo projetual de empreendimentos de baixo custo e sua inserção em disciplinas de projeto, ou atelier, na graduação de arquitetura e urbanismo. Finalmente fomentou-se a crítica sobre a produção atual de HIS, aproximando o aluno da realidade estudada e inserindo na graduação a problemática e a relevância da APO como norteadora do processo de projeto.
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Notas
1 Arquiteta e Urbanista, doutora pela FAU-USP, professora adjunto na Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAUeD)
End: Av. João Naves Ávila, 2121, Santa Mônica, Uberlândia, M.G, cep. 38411174
e-mail: simonevilla@yahoo.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5972522149974965
2 Bacharel em Administração pela Faculdade de Gestão e Negócios (FAGEN) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG) em 2008. Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design (FAUeD) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG). Pós-graduanda em Administração Pública Municipal pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG).
End: Praça Américo Ferreira de Abreu, 99, Santa Mônica, Uberlândia, M.G, cep. 38408166
e-mail: camilaribeirocampos@gmail.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9106366083833796
3 Graduando em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAUeD).
Rua Princesa Isabel n 484, apartamento 701, Bairro Fundinho, cep. 38440-192
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4 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design (FAUeD) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – Uberlândia, MG, Brasil. A disciplina foi desenvolvida no 2º semestre de 2009.
5 IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília, 2010.
6 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design (FAUeD) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – Uberlândia, MG, Brasil. A disciplina foi desenvolvida no 2º semestre de 2009.
7 Os dados referentes ao número de habitantes é uma estimativa para 2009 do IBGE e o PIB per capita é um valor de 2007.